O Livro Verdades, Mentiras e Propaganda é uma visão prática da área de planejamento. Muitos livros trazem abordagens técnicas e “quadradas” sobre esse assunto, mas ao pensar a propaganda como um todo e as atividades exercidas em uma agência, pode-se perceber que o ritmo de trabalho é muito mais dinâmico. O autor consegue abordar o tema através de exemplos reais de uma agência de publicidade.
Verdades
Dos diversos raciocínios, teve uma frase que me despertou bastante atenção: “A publicidade funciona melhor quando não diz às pessoas o que pensar, mas permite que elas tirem as suas próprias conclusões sobre o significado”. Nela é possível identificar a definição do nosso trabalho em diversos âmbitos. Ao longo do livro, o autor cita que a propagada deve ser criativa, porque consegue envolver e encantar o consumidor. Mas ela também deve ser eficaz – é preciso despertar o desejo ou a ação do público-alvo de forma positiva para o produto ou serviço ofertado. Claro que não é mágica, existem diversos outros fatores que influenciam o consumidor, mas a propaganda tem um forte papel para a construção de marca.
Além disso, nessa frase o autor já começa a discussão sobre a importância de conhecer o consumidor. Ele cita que o planejamento surge através do anseio das agências em criar um relacionamento com o público-alvo. É preciso entender quais são os seus hábitos, costumes, valores e, principalmente, o que fazem desejar aquele produto ou serviço.
A pesquisa se torna muito importante nesse cenário, pois é através dela que o planejador busca a informação. Mas ao colocar essa ferramenta em prática é preciso tomar vários cuidados. Não basta fazer a pesquisa, para dizer que “conversou” com o consumidor. Existem técnicas e abordagens que tornam essa ferramenta mais eficaz. Esse assunto é muito presente no cotidiano das agências, que cada vez mais se especializam em criar novas técnicas e formatos para conseguir a verdadeira essência do consumidor - do Sr. João ou da Sra. Maria.
Nesse cenário, acho que a pesquisa acabou sendo um pouco banalizada, onde qualquer um se acha apto para criar e aplicar um bom projeto. As observações do autor nesse sentido são muito pertinentes. Existem muitas variáveis que podem prejudicar a pesquisa: os objetivos podem não estar totalmente contemplados, as perguntas podem não estar adequadas, o ambiente pode atrapalhar ou ainda o próprio entrevistador pode colocar tudo a perder.
Essa é uma realidade no nosso mercado: até onde as pessoas estão verdadeiramente preparadas para desenvolver uma pesquisa? Por outro lado, e ainda mais significante, é a questão da adequação. Será que o meu projeto é o mais eficaz? E o mais criativo? Achei muito interessante como a forma de abordar o consumidor pode fazer toda a diferença. Eu sei, é uma constatação óbvia, ainda mais no nosso mercado, mas o autor consegue trazer exemplos brilhantes.
Um deles é o case “Got Milk”. Fazer os entrevistados passarem uma semana sem consumir leite, fizeram eles sentir na pele aquela sensação. Isto é, as respostas não foram baseadas em uma suposição, mas de um sentimento real vivido pelo consumidor. Será que essa pesquisa teria o mesmo resultado se tivesse apenas perguntado: “O que você faria se não tivesse leite?” ou “Você já se imaginou sem leite?”. É claro que não, pois nem mesmo os consumidores haviam percebido como esse alimento estava tão presente em suas vidas. E isso foi decisivo para a campanha. Mais uma vez uma simples solução, trouxe grandes benefícios.
É interessante como o autor coloca o Planejamento como a “voz” do consumidor dentro do processo criativo. Já o atendimento é a representação do cliente. Ele tem uma visão mais racional, eu diria, tendo sempre em mente essa posição de advogado do diabo – porque a campanha pode ficar legal, mas ele não pode perder de vista o verdadeiro objetivo do material. A criação, por sua vez, é o representante da agência, ele pode criar de forma livre – seguindo, é claro, a recomendação do briefing.
O briefing tem um papel fundamental para o desenvolvimento da campanha. É o momento que o Planejador, junto como atendimento, tem que pegar todas as informações coletadas e selecionar o que é mais relevante, e transmiti-la de forma criativa e coerente para a criação. De preferência, que seja um documento formal, mas dependendo dos prazos pode ser repassado em uma conversa ou reunião.
Isso eu achei bem coerente com a nossa realidade, porque já existe essa consciência do briefing. É um material consistente, mas ao mesmo tempo em uma linguagem dinâmica e prática, de forma a resumir todas as informações pertinentes para a criação. Mas é uma atividade desenvolvida pelos atendimentos. Na maioria das vezes, eles nem procuram a ajuda do Planejamento, que poderia trazer outras informações e insights para o trabalho.
Um ponto curioso no livro é que o autor afirma que é uma prática os clientes aprovarem o briefing. Esse tipo de procedimento eu desconheço se ocorre em Porto Alegre. Acredito que em alguns casos pode tornar a informação ainda mais rica, ou pode ter um desfecho mais desastroso. O cliente pode interpretar uma palavra, frase ou formato de forma errada, tornando o briefing um material mais duro e pouco prático. Esse é um procedimento da agência, e acho que deveria permanecer como uma parte do processo interno.
Mentiras
Não são mentiras propriamente ditas, mas inverdades no nosso mercado. O principal ponto que foi bem abordado no livro, mas que não é praticado hoje em Porto Alegre, é a questão do pré-teste da campanha. Apesar dos clientes estarem cada vez mais exigentes, procurando caminhos mais eficientes para a comunicação, ainda não existe essa cultura no estado. Em São Paulo, por outro lado, já possui essa prática. Isso ocorre principalmente porquê lá estão situados grandes clientes, que controlam cada centavo investido. Além disso, os institutos de pesquisa têm criado novas técnicas, para tornar essa ferramenta ainda mais eficaz.
Outra diferença é a questão da relação atendimento x planejamento e criação x planejamento. No primeiro caso, o autor fala da importância do Planejador manter uma relação direta com o atendimento junto ao cliente. É claro que alguns momentos o planejamento se afasta mais, até porque quem cuida da operação é o atendimento. Mas ele ressalta a importância de existir uma sincronia. Acredito que muitas agências podem persistir isso, mas nem todas conseguem colocar em prática. Até porque a equipe de planejamento geralmente é mais enxuta, dificultando que isso possa ocorrer com a consistência necessária. Em outros casos, simplesmente não existe a cultura dessas duas áreas estarem interligadas.
Já a relação criação x planejamento também é bastante delicada. Não pela dificuldade de convivência, mas por não existir uma cultura de trabalho. Às vezes um projeto de planejamento e de criação podem ocorrer simultaneamente, e serem juntados apenas no final, momentos antes da apresentação para o cliente. Já vi isso acontecer, mais de uma vez. É claro, que às vezes por questão de prazo, o posicionamento e a abordagem já podem ser repassados, antes do trabalho ganhar o formato final de apresentação. Mas, em muitos casos, não existe a sintonia entre essas áreas. Acho que essa relação ainda deve ser desenvolvida e aprimorada, para tornar as campanhas ainda mais eficazes.
O autor dá bastante destaque para o planejamento como a “voz” do consumidor. Aqui no nosso mercado, é possível perceber que os clientes têm exigido cada vez mais das agências. Eles não querem apenas insights ou um encaminhamento do briefing, mas desejam verdadeiras estratégias mercadológicas. Em muitos casos, a relação vai mais além, onde existe a influencia direta no produto ou serviço do cliente.
E Propaganda
“O trabalho de uma agência deve ter como objetivo penetrar na cabeça de uma pessoa e descobrir o que ela está pensando, para encontrar a melhor forma de influencia-la”. Nessa frase é possível identificar as atribuições que um planejamento dever ter segundo o autor.
Em primeiro lugar, e considero essa uma das mais importantes: é preciso saber ouvir mais, do que falar. Esse conceito pode ser expandido – não é apenas escutar mais, mas também saber interpretar mais. Entender como aquela informação é importante ou relevante para o projeto/negócio do cliente. Entender como funciona a cabeça do consumidor, e qual a melhor abordagem para atingi-lo.
Em segundo lugar, é preciso ter modéstia e humildade – você não pode esperar mérito pelas idéias, mesmo que elas partam por você. Os profissionais de criação, ao contrário dos planejadores, necessitam alimentar o ego constantemente.
Ser um camaleão, é o terceiro ponto abordado pelo autor. Segundo ele, o Planejamento precisa saber se relacionar com as diferentes frentes de trabalho. Ele precisa saber a “língua” do consumidor, ter experiência para discutir como atendimento e o jogo de cintura para conversar com a criação. É entender como esses públicos se caracterizam e ter uma abordagem específica para cada um deles.
E por último, o autor diz que é preciso ter algo esquisito no Planejador. Isso significa ter uma visão diferenciada sobre as coisas, fatos e informações. É entender como aquele dado pode ser importante para o desenvolvimento do trabalho, ou será relevante para o consumidor. Além disso, ele é um curioso por natureza e pesquisa e procura entender os mais diversos assuntos.
A arte do planejamento
De maneira geral, o livro é muito bom. O autor consegue colocar em prática o próprio ensinamento: passar o conteúdo de forma criativa e eficaz. O principal diferencial é a maneira que ele descreve diversas situações que realmente ocorrem em uma agência de publicidade. Ele não utiliza grandes cases empresariais, mas fatos que ocorreram dentro do processo agência. Dessa forma é possível fazer um paralelo com a nossa realidade, e entender como isso poderia ou é aplicado no nosso ambiente de trabalho. Isso sim é uma verdadeira arte de planejamento.
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